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Bento Gonçalves Da Silva

"...nunca esqueceis que sois os administradores do melhor patrimônio das gerações que vos devem suceder, que este patrimônio é a liberdade e que estais na obrigação de defendê-la à custa de vosso sangue e da vossa existência".

Bento Gonçalves da Silva
BIOGRAFIA

Bento Gonçalves, século XIX.
Acervo museu Julio de Castilhos
    Nasceu em 23 de setembro de 1788, na Estância da Piedade, da Freguesia de Bom Jesus do Triunfo. Foi batizado na Igreja matriz da freguesia, em 19 de outubro do mesmo ano conforme assentamento do livro paroquial. 
    Bento era o décimo filho de tradicional e antiga família da região, seu bisavô materno era Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcellos, um dos primeiros sesmeiros do Rio Grande do Sul, que recebera terras às margens do Guaíba. Seus pais eram Joaquim Gonçalves da Silva e Perpétua da Costa Meirelles. Joaquim era português, servia no exército e, ao mesmo tempo era estancieiro, situação comum naquela época, enquanto a esposa nascera no Rio Grande do Sul. O casal passou a residir nas terras da família na freguesia do Triunfo. Após o Tratado de Santo Ildefonso, o casal e seus parentes atravessaram o Rio Jacuí e estabeleceram-se na região do Rio Camaquã, onde foram criar gado vacum e cavalar e dedicaram-se à produção do charque.
    Ele e seus irmãos receberam uma educação básica, sabendo ler, escrever, graças à contratação de professores particulares. O pai o destinará à carreira eclesiástica, função que logo foi rechaçada pelo jovem Bento, que, desde cedo se mostrara ágil nas lidas campeiras. Descontente com o comportamento do filho de 18 anos, Joaquim entregou-o ao irmão, o alferes João Gonçalves da Silva para que o alistasse na Companhia de Ordenanças. Bento serviu como praça, mas sua primeira campanha militar ocorreu apenas em 1811, na Cisplatina, sob o comando de D. Diogo de Souza.
    Após o término da campanha foi dispensado como excedente, com a graduação de cabo. Não retornou à terra natal, estabelecendo-se com uma pequena casa de negócios na vila de Mello, região de Cerro Largo, na Província de Montevidéu. Logo, comprou terras na região, tornando-se estancieiro, como inúmeros outros brasileiros. Ali conheceu sua futura esposa Cayetana Juana Francisca Garcia y Gonzáles, filha de um espanhol e de uma sul-rio-grandense, nascida a 6 de agosto de 1798. Casaram-se em 7 de dezembro de 1814.
    Ao contrário de outros brasileiros que acabaram se naturalizando espanhóis e aderiram ao movimento republicano comandado por Artigas, Bento Gonçalves manteve-se alheio às questões locais, apenas levando o trabalho em sua estância. Bento teria organizado milícias para defender a região dos rebeldes e, em 1816, seu grupo ocupou a cidade de Cerro Largo. Devido aos resultados de sua ofensiva militar, em 1817, Bento foi incorporado definitivamente ao Exército Português e pôs em prática seu plano de defesa do rio Jaguarão. Venceu os combates de Corrales e de Lãs Cañas contra líderes uruguaios de Cerro Largo.
Casa onde nasceu Bento Gonçalves da Silva. 
Atelier Calegari. Acervo museu Julio de Castilhos.
    Em 1º de março de 1820, foi promovido a major de milícias com jurisdição da fronteira do rio Jaguarão até Cerro Largo e o Chuí. Em 1824, foi novamente promovido, agora ao posto de tenente-coronel e assumiu o comando do 39° Batalhão de Milícias. Durante esse período, Bento Gonçalves continuou residindo em Mello e ali, possuía os seus negócios.
    Em 1825, quando recomeçou o movimento contrário à permanência brasileira na Cisplatina, esteve na batalha do Sarandi, perdida para os uruguaios, sob o comando de Bento Manuel Ribeiro e, dois meses depois, dispersou as tropas do Coronel Inácio Oribe, próximo a Cerro Largo. Nesse ano foi promovido à patente de coronel. Entrou em atrito com o General Francisco de Paula Rosado, que pretendia transferi-lo para a região de Livramento, pois considerava estratégica a manutenção de uma tropa na fronteira com o Rio Jaguarão.
     A reação uruguaia à ocupação brasileira também foi sentida por Bento Gonçalves. Sua casa comercial e sua estância foram saqueadas, o que o levou a mudar-se definitivamente para Camaquã, ocupando a Estância do Cristal, herdada de seu pai.
     Em 1827, participou do Combate do Passo do Rosário, sob o comando do General mineiro Felisberto Caldeira Brant, quando o exército sofreu derrota para os revoltosos uruguaios.
     Em 1829, Bento Gonçalves foi promovido a coronel do Estado Maior e designado para o comando do 4º Regimento, com sede na fronteira, no município de Jaguarão.
     Próximo à capital, Bento Gonçalves passou a envolver-se na política regional e nacional. Ainda em 1830, tomou contato com a Maçonaria¹, instituição secreta, na qual discutiam-se as idéias liberais e nacionalistas. Nesse período cresceu o antagonismo ao Imperador D. Pedro I, que era acusado de absolutista e defensor dos interesses portugueses, além de manter no exército um número excessivo de compatriotas.
 ¹Diploma Maçônico, do acervo do Museu Julio de Castilhos, Porto Alegre, RS.
     D. Pedro I foi derrubado em 7 de abril de 1831 e, como o seu sucessor era menor, assumiu uma Regência. Esse foi um período de instabilidade, os interesses políticos gravitavam em torno de três facções ou sociedades distintas: os liberais moderados, os liberais exaltados e os restauradores. Os liberais moderados eram partidários do regime monárquico constitucional e asseguraram o controle político da Regência. Os liberais exaltados, também chamados farroupilhas, eram mais avançados politicamente, sendo que alguns defendiam o regime republicano. Os restauradores identificavam-se com D. Pedro I e queriam o seu retorno ao trono brasileiro; naturalmente desapareceram quando o ex-imperador morrera em Portugal, em 1834.
     A maioria dos oficiais de exército era simpatizante de D. Pedro I, segundo dados da época, 147 oficiais ou 72% eram portugueses. Esse grupo formou a Sociedade Militar, no Rio de Janeiro, que se dedicava à repressão aos liberais, pregando o retorno de D. Pedro I ao trono do Brasil. Em 1833, houve a tentativa dos simpatizantes do ex-Imperador de fundar uma Sociedade Militar na Província, que segundo a imprensa liberal contava com o apoio do Comandante de Armas, Sebastião Barreto Pereira Pinto.
     Por sua vez, os exaltados organizaram-se na Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional, cujas idéias eram divulgadas através do jornal “O Noticiador”. Defendiam a necessidade de um acordo entre liberais exaltados e moderados frente a um inimigo comum. Com apoio popular, enviaram ao Presidente da Província, José Mariani, representação proibindo a abertura da Sociedade Militar. Em resposta, o Presidente apresentou à Corte denuncia contra os signatários do documento, acusando-os de conspirar contra o regime, entre eles, Bento Gonçalves. Esse também era acusado proteger o rebelde uruguaio Lavalleja, seu compadre, exilado no Rio Grande do Sul, e de pretender inir o Rio Grande do Sul ao Uruguai.
     O coronel viajou à Corte, onde apresentou sua defesa, e voltou prestigiado, tendo, inclusive, indicado o sucessor de Mariani, o desembargador Antônio Rodrigues Fernandes Braga, considerado um nacionalista. Braga posicionou-se contrário à instalação da Sociedade Militar. Tomou posse em 2 de maio de 1834.
     A capital encontrava-se num ambiente de efervescência política, com a população indo às ruas para protestar, a indisciplina aumentava nos quartéis, a imprensa posicionava-se de um ou outro lado. Bento Gonçalves, a pedido de Braga, fora chamado para apaziguar os ânimos.
     Ainda em 1834, foi aprovado o Ato Adicional, que criava as Assembléias Legislativas Provinciais. As eleições foram realizadas pelas Câmaras Municipais, em dois turnos, pois o voto era censitário, e foram escolhidos 28 deputados, entre eles estava Bento Gonçalves da Silva. A sessão preparatória ocorreu em 22 de abril de 1835 e a sessão de instalação em 22 de abril de 1835, deu início oficial aos trabalhos.
     Nessa sessão inaugural, o Presidente Braga fez um discurso acusando os exaltados de tramarem um movimento cujo objetivo era a separação da Província do resto do Brasil e pregando sua anexação à Cisplatina². Bento Gonçalves revidou indignado, acusando também o Comandante Barreto de manter conversações com os uruguaios.
²Ver Relatório de Antonio Rodrigues Fernandes Braga a Assembléia Provincial (1835).
     A idéia de rebelião instalou-se entre os liberais. Após reunião na casa de Gomes Jardim, situada no distrito de Pedras Brancas, hoje município de Guaíba, os farroupilhas cruzaram o Guaíba e invadiram Porto Alegre pelo lado sul. A cidade foi tomada pelos rebeldes e o Presidente Braga fugiu em um navio em direção a Rio Grande, onde instalou o governo. Bento Gonçalves assumiu a direção do movimento e proclamou a Província liberta da “odiosa tirania”³. Recomendava calma e moderação aos cidadãos, intimava os estrangeiros a abster-se das lutas e garantia a segurança das pessoas e de seus bens e ainda oficiava à Câmara Municipal da capital para dar posse ao 4º Vice-Presidente, o Dr. Marciano José Pereira Ribeiro. Isso foi feito no dia seguinte.
³ASSIS BRASIL
     Seus manifestos colocavam a posição dos revolucionários: eram reformistas, não queriam a República, pretendiam apenas a substituição do presidente e o atendimento de suas reivindicações econômicas. Os farroupilhas pretendiam espalhar a rebelião por toda a província, buscando apoio entre os descontentes. Assim, em 10 de novembro de 1835, Bento Gonçalves foi nomeado Comandante Superior da Guarda Nacional.
     O Governo Central nomeou novo presidente, José de Araújo Ribeiro. Os farroupilhas ficaram descontentes com a escolha e não permitiram a sua posse perante a Assembléia Provincial, marcada para 9 de dezembro de 1835. Araújo retirou-se de Porto Alegre, tomando posse em Rio Grande. Tinha início uma nova fase da Revolução, com dois governos distintos: um revolucionário e outro legalista.
     Até meados de 1836, Bento Gonçalves preocupou em sitiar diversas cidades (Rio Pardo, Rio Grande, Jaguarão), sem conseguir mantê-las. As tropas rebeldes estavam em número reduzido, além de mal preparadas, mal armadas e sem munição, essa situação agravava-se, pois os farroupilhas não possuíam recursos financeiros para mantê-las.
     Porto Alegre foi retomada pelos legalistas, em 15 de junho de 1836, com a ajuda dos militares presos pelos rebeldes, sob a liderança do Manoel Marques de Souza, futuro Conde de Porto Alegre. Bento Gonçalves tentou reaver a cidade, duas semanas depois, mas foi derrotado. Em nova batalha no passo de São Leopoldo, as tropas sob seu comando venceram uma força legalista e iniciaram o cerco a Porto Alegre. Instalou o governo revolucionário em Viamão e iniciou-se um sítio à capital, que seria mantido de maneira irregular até 1840.
     Pretendendo reunir suas tropas a dos farroupilhas que lutavam na Campanha, Bento retirou-se da região de Porto Alegre e, ao cruzar o Rio Jacuí, encontrou- se com as tropas legalistas, comandadas pelo ex-farroupilha Bento Manuel Ribeiro. A batalha ocorreu em 4 de outubro de 1836, na Ilha do Fanfa, próxima à sua cidade natal, Triunfo. Os farroupilhas foram cercados e sofreram uma grande derrota. Bento Gonçalves, Onofre Pires e Zambecari foram presos e levados para o Forte da Laje, no Rio de Janeiro.
     Alguns dias antes da batalha do Fanfa, em 11 de setembro de 1836, seu comandado, Antonio de Souza Netto proclamara a República Rio-Grandense, após derrotar o gen. Silva Tavares, na Batalha do Seival. A idéia republicana já estava sendo divulgada entre os farroupilhas, apesar dos manifestos de Bento Gonçalves defenderem a unidade do império, querendo apenas autonomia administrativa e tributária, sem referir-se à separação. Em novembro foi instalado o novo governo na vila de Piratini e eleito o Presidente da República. Bento foi escolhido e, como ainda estava preso, assumiu o Vice-Presidente, José Gomes Vasconcellos Jardim.
     O governo da regência transferiu Bento Gonçalves para o Forte do Mar, em Salvador, na Bahia. Naquela cidade, a maçonaria organizou a fuga do general, em 10 de setembro de 1837, que, dias depois, embarcou para Florianópolis. Dali, chegou ao Rio Grande do Sul por terra, assumindo o seu lugar de presidente e chefe maior do Exército Rio-Grandense.
     Os anos de 1837, 1838 e 1839 foram de vitórias e avanços para os farroupilhas. Após a vitória na Batalha do Barro Vermelho, em Rio Pardo, Bento Gonçalves e Domingos José de Almeida assinaram um manifesto, datado de 29 de agosto de 1838, no qual fizeram um relato das verdadeiras causas que empurraram os rio-grandenses à rebeldia. Em 1839, a capital foi transferida para Caçapava, ponto mais central e de difícil acesso. Teve início uma tentativa de levar a revolta às demais províncias, com a ocupação de Lages e Laguna, a qual contou com a ajuda de simpatizantes locais da causa farroupilha. O objetivo era criar uma confederação.
     Nesse mesmo ano, dentro da política de tomar as cidades legalistas foi realizada uma ofensiva contra a cidade de Pelotas, que ficou dois dias nas mãos dos rebeldes. Retomou-se o cerco a Porto Alegre, com Bento Gonçalves deixado a Presidência para assumir pessoalmente o comando das tropas reunidas em Viamão.
     Em 1840, participou dos ataques a Taquari e São José do Norte, sem sucesso. No segundo semestre, recebeu convite do Presidente Marechal Soares de Andréa para discutir uma proposta de paz com um emissário, o deputado paulista Dr. Francisco Álvares Machado, logo depois efetivado na Presidência da Província. Apesar das negociações terem transcorrido inicialmente com algum sucesso e do empenho de Bento Gonçalves em acabar com a guerra, elas não resultaram em acordo, segundo Araripe, devido às divergências entre os comandos distantes: Bento, em Viamão, e Antonio Netto, na fronteira.
     Novas batalhas, em Três Forquilhas e em Vacaria, trouxeram derrotas aos rebeldes e a partir desse momento começou o recuo dos farroupilhas, com o abandono definitivo da região costeira, de Santa Catarina e da capital. Os combates ficariam restritos à região da Campanha.
     Bento Gonçalves deixou o comando do exército para dedicar-se aos trabalhos legislativos, reassumindo a presidência em 14 de março de 1841. Firmou nesse ano um convênio de auxílio com Frutuoso Rivera, Presidente do Uruguai, em troca de 2.000 cavalos. No ano seguinte, esteve em conferência com representantes dos governos do Uruguai e das Províncias de Corrientes e de Entre-Rios, para tratar de interesses econômicos e políticos comuns.
     Como político preocupou-se com questões sociais e culturais, estimulou a educação, mandando criar em cada município uma aula pública, com verbas das multas recolhidas aos cofres públicos. Criou, também, uma Biblioteca Nacional.
     Durante o ano de 1842, iniciaram-se os preparativos para a Assembléia Constituinte, que se realizou na terceira capital, Alegrete. O decreto presidencial de convocação da mesma ocorrera ainda em 1840. Nesse momento afloraram as diferenças existentes entre os farroupilhas, divididos entre moderados liderados por Bento Gonçalves e radicais liderados por Vicente da Fontoura. No dia 1º de dezembro de 1842, tiveram início os trabalhos da Assembléia, com a sessão inaugural, na qual Bento Gonçalves discursou solenemente.
     No centro do país, o Golpe da Maioridade (1840) colocou no trono D. Pedro II e após a pacificação do resto do país, o governo central preparou nova estratégia para vencer os rebeldes. Nomeou o Barão de Caxias, pacificador do nordeste do país, para assumir simultaneamente os cargos de Presidente e Comandante de Armas da Província, tomando posse em 1842. Sua estratégia era dividir e vencer os inimigos com a sua própria tática, a guerrilha.
     No início de 1843, continuaram os trabalhos da Constituinte, com o aumento das divergências políticas dos farrapos, entre essas estava a questão da abolição. Houve a apresentação de um pré-projeto de constituição, criando um a república democrática, com o Senado ocupando papel de destaque, reduzindo a ação do poder executivo. O projeto não chegou a ser votado e a assembléia foi dissolvida em 10 de fevereiro de 1843, sem que houvesse um resultado efetivo. Os dois lados se acusavam, sendo Bento Gonçalves responsabilizado pela situação da República. Novos combates e novas derrotas pioraram a situação. Bento Gonçalves afastou-se do governo em agosto de 1843, passando o cargo a Gomes Jardim.
     Em 27 de fevereiro de 1844, Bento Gonçalves e seu compadre Onofre Pires bateram-se em duelo, que resultou no ferimento e morte desse último, alguns dias depois. A causa do duelo foi a carta que Onofre enviara a Bento com acusações e calúnias contra o antigo amigo.
     Ainda em 1844, Bento Gonçalves retomou as negociações de paz, mas acabou retirando-se devido a desentendimentos com Caxias e às cisões internas, pois descobriu que sua correspondência estava sendo interceptada por Canabarro e Vicente da Fontoura. O negociador dos farrapos passou a ser o primeiro. Criticou veementemente a atuação de Canabarro no Combate dos Porongos, em 1844. Após a paz de Ponche Verde retirou-se para sua estância, em Camaquã, não esteve nos atos de celebração da paz e não aceitou nada do Império. Afastou-se da política, passando a tratar dos seus negócios. Morreu a 18 de julho de 1847 em Pedras Brancas, Guaíba, quando visitava seu amigo, Gomes Jardim, no mesmo lugar, onde doze anos antes iniciara a revolução.

BENTO GONÇALVES DA SILVA
Atas, Propostas e Resoluções da Primeira 
Legislatura da Assembléia Provincial (1835-1836).







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