Paixão Cortes e Barbosa Lessa
Noções Sobre a formação das
Danças Populares
As danças estão impregnadas do verdadeiro sabor crioulo do Rio Grande do Sul, são legítimas expressões da alma gauchesca. Em todas elas está presente o espírito de fidalguia e de respeito à mulher, que sempre caracterizou o campesino rio-grandense. Todas elas dão margem a que o gaúcho extravaze sua impressionante teatralidade.
Danças que sufoquem a teatralidade do gaúcho, ou que venham colidir com o respeito que o gaúcho nutre pela mulher, jamais poderiam ter vingado no ambiente gauchesco.
Donde as danças gaúchas surgiram é problema secundário. O que interessa é sabermos que elas realmente animaram as festas do Rio Grande tradicional, e representaram um incentivo de alegria aos forjadores da grandeza histórica de nosso rincão.
Estas danças são gaúchas não porque tivessem se originado inteiramente no ambiente campeiro, mas porque o gaúcho - recebendo-as de onde quer que fosse - lhes deu música, detalhes, colorido e alma nativa.
"Nada mais universal que o folclórico; nada mais regional que o folclórico" - escreveu o musicólogo argentino Carlos Vega em um de seus magistrais trabalhos. - São universais os elementos; são regionais as combinações. Pois o que confere fisionomia regional a cada região não é tanto a matéria original como o produto de suas especiais e singulares maneiras de superposição e mescla".
Este conceito parece sintetizar ao máximo o processo de formação das danças populares. As danças de salão são lançadas por um foco de irradiaçoo das "modas" - um foco universal - e daí ganham as capitais, as cidades, as vilas, até chegarem ao meio rural. Descem das camadas superiores - superiores do ponto de vista sociológico - até as camadas inferiores, amoldando-se, nesta longa migração, às características psicológicas e principalmente à instrumentação musical típica de cada povo.
A música popular pode ser u'a manifestação puramente individual. A dança popular sempre será uma manifestação coletiva. Acreditamos, assim, que a formação das danças populares obedece a fatores e influências distintas daquelas que se observam na formação da música popular. Na música prepondera a criação direta do indivíduo. Na dança, a força-criadora mais potente se encontra no grupo social.
Daí termos dito que é problema secundário o sabermos de onde nos chegaram as danças populares. Nos tempos do Brasil-Colônia elas tiveram como "foco de irradiação" a pomposa Madri. E Paris, durante séculos, subjugou-nos inteiramente às suas modas, até que os soldados norte-americanos - pisando vitoriosamente o solo europeu ao fim da II Guerra Mundial - concedessem à sua Nova York um papel de importância cultural tão relevante quanto o desempenhado pela Cidade-Luz.
A origem das mais antigas danças populares brasileiras está escondida na Espanha dos séculos XVII e XVIII. E a origem imediata das danças gaúchas mais antigas se encontra nas velhas danças brasileiras. O Rio Grande do Sul iniciou seu processo de formação dois séculos e meio após a descoberta do Brasil; assim sendo, o Estado mais meridional da União sentiu, já em suas raízes, como principal força de influência, aquela profunda mestiçagem cultural que dois séculos de povoamento haviam elaborado no Brasil.
A mais típica representação tradicional do Rio Grande do Sul, no campo das danças, é o velho "fandango". Chamou-se "fandango', no antigo Rio Grande, a uma série de cantigas entremeiadas de sapateado. Estas canções, bem como o ritmo - a música, enfim eram essencialmente mestiças do Brasil; já o sapateado - amoldado ao ritmo regional - se originara das antigas danças de par solto, características da romântica Espanha. Estes bailados espanhóis constituíram o primeiro "ciclo" ou "geração" coreográfica que interessa ao estudo da formação das danças populares brasileiras.
Lançado da Côrte de Luiz XIV veio o Minueto, mais tarde, dar origem a nova geração coreográfica: as danças graves, de pares ainda independentes uns dos outros.
Da Inglaterra surgiu a "country dance" - e esta gerou o ciclo das contradanças e quadrilhas, bailados de conjunto, sob comando, de pares absolutamente dependentes uns dos outros.
Finalmente, a valsa veio abrir caminho para uma última geração coreográfica, que chegou até nossos dias: as danças de pares enlaçados.
Estas gerações coreográficas chegaram a Paris, e ali se enraizaram, tangidas pelos fenômenos mais complexos, tais como a Descoberta da América, o Século do Rei-Sol, a Revolução Francesa e a derrota de Napoleão. A vida social, em Paris, sofria a influência de tais fatos, e espalhava, por todo o círculo de preponderância da cultura ocidental, novas idéias, novas técnicas, novas "modas", novas danças.
O Rio Grande do Sul - dentro da órbita de influência da "Capital do Mundo' - necessariamente acusou em suas danças essa ascendência parisiense.
Uma página do tradicionalista Cezimbra Jacques, escrita em fins do século passado, resume - com referência ao Rio Grande do Sul - tudo o que poderíamos dizer sobre o processo de formação das danças gaúchas. Eis o tópico essencial: "Entre as altas classes, o fandango, que até pelos anos de 1839 e 1840 ainda era muito usado, foi sendo substituído pelas danças vindas da Europa, como o ril, a gavota, o sorongo, o montenegro, a valsa, e mais tarde as polcas, os chotes, as contradanças, as mazurcas, e finalmente as lindas havaneiras, expressão musical do langor e dos requebros".
Cezimbra Jacques fala-nos dessas danças somente no que se refere às altas classes, talvez porque julgasse desnecessário frizar que as outras camadas sociais - num fenômeno de imitação das "modas", que pode ser aquilatado em qualquer época - limitavam-se a receber, das altas classes, tais danças, desde que se observasse, nesse meio superior, uma geral aceitação durante um período de tempo mais ou menos longo.
Leia também:
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EL GAÚCHO ORIENTAL
Texto publicado em "Manual de Danças Gaúchas"
de J. C. Paixão Côrtes & Luís Carlos Barbosa Lessa.
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